Quem convive um pouco mais intimamente comigo já ouviu falar no Pacote Completo entre outros termos não convencionais que invento para definir algumas coisas da vida. Dizem que sou idealista, que na “vida real” não funciona etc.
Mas eu nem sei o que é uma vida que não seja a “real”, então continuo com meu Pacote Completo no topo das prioridades. Por conta disso que faz tempo quero parar e escrever sobre solidão e a dignidade imbuída nessa fase da trajetória do aborígine. E digo fase, já que minha crença prevê o dividir como meio de evolução espiritual e a solidão apenas um passo da caminhada.
Desfrutando de inúmeras viagens solitárias (mais de 600 mil milhas voadas nos últimos 10 anos e outros tantos milhares de kilômetros via terrestre), tive o privilégio de abraçar momentos únicos que só a solidão pode oferecer. Caminhar pelas Ruas de Marrakesh, Taipei, Manila entre outras cidades intrigantes, descer de lambreta pela Côte D’azur ou Subir a Pacific Coast highway numa Ninja 600, pilotar o Piper de 2 assentos sobrevoando os desertos da Califórnia proporcionaram momentos extraordinários de reflexão e auto-conhecimento.
Boa também é a solidão embalada pela música:tocar uma violinha nas dunas do Campeche ou numa noite fria no banco de concreto em frente a Igrejinha na 308, nas pedras do Arpoador ou nos penhascos vulcânicos na ilha da Madeira foram oportunidades únicas de absorção, através de todos os sentidos, de tudo que a solidão tem pra oferecer.
Muitos ainda insistem em rotular a solidão como uma doença, uma maldição que assombra.
Ainda há quem insista menosprezar o valor desse estado de consciência. Assim como nossa visão míope não nos permite enxergar melhor mesmo diante de toda essa tecnologia, que deveria servir para perpetuação de todos os terráqueos invertebrados ou não. Uma visão ultrapassada do que seja romantismo e relacionamento nos impede de caminhar modernidade adentro.
A visão secular, ultrapassada, e característica de uma sociedade dominada pelo poder sexista, pode ter ainda um último suspiro de romantismo, de almas gêmeas que se complementam, de amores baseados em complementaridade e dependência. Mas à medida que expandimos nossa consciência coletiva, vencendo sexismos e outros pré-conceitos medievais, podemos chegar ao equilíbrio pleno no qual seres maduros e independentes juntam-se para compartilhar e, sinergicamente, dar um salto a diante.
Talvez toda a inquietude nos relacionamentos, desde a adolescência foi fruto desse instinto aborígine. Alguma coisa no universo me dizia que interdependência, complementaridade, abnegação e sacrifício não combinavam com a vida a dois.
Segui meu caminho deixando esse instinto guiar e muitas vezes o perrengue foi grande. Machucar e se machucar no processo de amadurecimento a dois é natural. As expectativas é que são de pirar o cabeção.
Aos 38, com uma carreira eclética mas vida profissional definida, ainda sem filhos, sem nunca ter sido casado, gostar do sexo oposto, ser saudável, sem muitas mazelas morais e sem passagem na polícia, acabei entrando para clube dos “freaks” - Óbvio que alguma coisa de muito errado esse cara tem. A desconfiança é grande e dá pra sentir pelo tom e maneira com que perguntas corriqueiras são colocadas.
Acho que se deve ao fato de a solidão ter assumido uma carga negativa e muito mais pesada que a palavra mereça. Coitada da solidão, existe no mundo pra nos ajudar a enxergar coisas preciosas e só o que fazemos é malhar a pobre.
Descobri uma profunda dignidade na solidão, vou chegar aos 40 capaz de saboreá-la junto com um bom vinho e agradecer tudo que ela me ensinou, me tornando pessoa mais completa, independente, confiante e segura que buscava ser aos 20.
Claro que aprendi muito me embaralhando em relacionamentos, buscando repostas, mas muitas delas só a solidão trouxe. Abraçar a solidão e viver esse momento para buscar o auto-conhecimento, maturidade e independência emocional é o instinto aborígine.
A união entre duas pessoas não deve ser pautada na complementaridade e muito menos na interdependência. A grande sinergia de uma união reside justamente na independência emocional e autonomia de cada um. Só assim será possível dividir de verdade, não cabendo cobranças, sacrifícios ou inseguranças tão freqüentes.
Já ouvi “eu largava tudo pra ficar com fulano” e também ouvi demais “não vou largar tudo pra ficar com beltrano”. É aí que entra o Pacote Completo, não é uma questão de largar isso ou aquilo, é uma questão de “pegar” tudo. É a beleza da autonomia e independência que permite abraçarmos as oportunidades de ter o pacote completo.
Agora como diria a “Paty pressão” cada um com seu cada qual. Podemos encontrar a outra metade da laranja, a tampa do nosso topware, a alma gêmea, e seguirmos
Leve na mala uma pitada de solidão.