Não posso negar que
pra um aprendiz aborígine ando meio apegadinho a certos confortos e
conformidades sociais. E o fato de ter um aboriginezinho correndo no
pedaço agora poderia significar uma busca por aceitação da
conformidade e conforto, para garantir a tal segurança e estrutura.
Aborígines carregam suas crias na vida nômade, lançam os ao mundo
para abraçarem as oportunidades que a natureza oferece, caminham
lado a lado alternando a liderança e os papeis de mestre e aprendiz.
Esse desapego dos
papeis formais sociais e esse se lançar destemido me fazem lembrar
uma entrevista com aquele que considero também um espirito
aborígine: Sebastião Salgado, que conseguiu em poucas palavras
resumir um sentimento acerca da suposta exclusiva racionalidade
humana.
Um aborígine de verdade ignora o conceito e a presunção de
que a racionalidade é privilégio de humanos, pelo contrário, a
vida nômade e desprendida ajuda a compreender que a racionalidade é
una e universal. Quando passamos a compreender que nossa estada
encarnada dura pouco mais de um século enquanto tem tartaruga por aí
que passa fácil os 200 anos, percebemos que a racionalidade vai
muito além de nós humanos. Nas minhas aventuras pela Califórnia
durante os anos 90 tive a oportunidade de visitar o Parque das
Sequoias, considerados os seres vivos mais antigos do planeta, essas
árvores magníficas com mais de 2000 mil anos de vivência nunca
param de crescer. Carregam dentro de si marcas das eras que
atravessaram em seu tronco, cada ano é registrado, cada mudança de
estação registrada como se fosse em um HD.
O aborígine exalta e
respeita essa racionalidade assim como a de um mineral que carrega em
si milhões de anos de registro de passagem pela terra, muitas vezes
viajando milhares de quilômetros desde o manto terrestre até a superfície, e
depois por erosões e rios. Agora você deve estar pensando ihh... o
aborígine pirou a piolhenta. Mas já tive a oportunidade de
caminhar pela cratera do kilauea na Ilha Grande do Havaí, pude ver a
lava correndo pelas encostas do vulcão, fazia barulho, exalava um
cheiro peculiar, emitia calor, e se movia, buscando preguiçosamente
se refrescar ao mar.
Em seguida pude caminhar sobre a lava
resfriada, cuja bolhas de calor formavam finas camadas que se partiam
como vidro, significando que eu era a primeira pessoa a pisar naquele
solo.
Esse solo que nascera ali depois de mim, um bebê da natureza,
registrará milhões de anos de planeta terra que eu jamais
presenciarei. Essa é a racionalidade que compreendi, que os olhos da
tartaruga enxergaram nos mais de duzentos anos, que os troncos das Sequoias registraram por milhares de anos e que as marcas das eras
impressas nos minerais possuem tanta racionalidade quanto os dados
compilados nos 10% da minha cabeça animal. Assim caminha o aborígine.
Leve na mala pedrinhas
do vulcão.