No final de 2020, como de costume, sempre recebo votos e saudações acerca do ano que finda. Sendo esse ano atípico e de reflexão profunda, em sua maior parte, dezembro parece catalisar uma força reflexiva ainda maior. Fala-se muito de fé, renovação, paz, saúde e principalmente felicidade. Respondi a uma dessas mensagens de um amigo, que me enviou um texto com uma apologia a felicidade. A resposta foi um pouco instintiva, expressada de forma impulsiva, sem que eu percebesse a profundidade dessas palavras rápidas que saíram do teclado do celular para o Whatsapp.
“se tem uma coisa que aprendi após a vivência na Century 21 foi que felicidade pra mim não é mais meta. Aliás, pra mim pouco importa. Meu foco na última década tem sido no autoconhecimento. Isso me trouxe alegrias e tristezas, bons e maus momentos, mas acima de tudo me trouxe uma liberdade extremamente prazerosa, a de viver dentro dos valores que minha autoconsciência revela. Não me pauto em fé, divindade ou outro tipo de inspiração metafísica. A astrofísica tem sido meu hobby e me levou a uma compreensão mais reconfortante do que sou e do que realmente faço parte. 2020 foi um excelente teste pra esse início de década. Sinto me confiante e procurando estar sempre atento aos caminhos diversos do autoconhecimento. obrigado pela reflexão. Espero abraçá-lo em breve.”
Dois✔✔ verdes mas sem resposta.
Sem
perceber fiz um resumo do caminho que trilhei nos últimos 10 anos em
breves linhas. Percebi que redes sociais, “coaches”,
influenciadores digitais, associados a uma geração que acredita que ser feliz é
meta, estão na contramão do que tenho trilhado. Talvez por isso já
vinha em isolamento muito antes da pandemia, e os últimos meses me
abraçaram como um reconfortante alento na forma desse distanciamento social
semiobrigatório.
Não
quero dizer que o Aborígine é contra a felicidade, pelo contrário,
é muito a favor. A questão é não querer a felicidade como meta ou
como estado de espírito perene. Na verdade encaro quase como uma
ressignificação de felicidade.
Por
mais paradoxal que pareça, o Aborígine é feliz mesmo em tempos
ruins, mesmo diante do sofrimento, e não tem medo de que um
sentimento de felicidade se acabe, mesmo porque entende que todo
tempo bom é temporário. Felicidade ou ser feliz tornou-se uma
obrigação, uma condição essencial para que alguém possa viver.
Quando essa obrigação é constantemente frustrada, muitos se
entregam a morte ou a alienação.
Não tenho que ser feliz, não
preciso ser feliz, quero viver em constante aprendizado, constante
integração com a natureza que me cerca. Isso tem um preço, pode
trazer dor, decepção e as vezes um prolongado desalento. Mas o
espírito nômade do Aborígine enfrenta isso, caminhando,
aprendendo, sofrendo, conhecendo-se e buscando integrar-se com o
mundo natural a sua volta. Olhando de fora parece uma vida sofrida,
mas no âmago ele sabe que é o melhor caminho que poderia seguir
pra terminar sua jornada de forma plena. Muitas vezes um rosto sofrido e cheio de cicatrizes é o que traz muitos momentos inspiradores e de felicidade plena.
Leve na mala: seu próprio conceito de felicidade.