terça-feira, 21 de outubro de 2014

A Racionalidade Aborígine

Não posso negar que pra um aprendiz aborígine ando meio apegadinho a certos confortos e conformidades sociais. E o fato de ter um aboriginezinho correndo no pedaço agora poderia significar uma busca por aceitação da conformidade e conforto, para garantir a tal segurança e estrutura. Aborígines carregam suas crias na vida nômade, lançam os ao mundo para abraçarem as oportunidades que a natureza oferece, caminham lado a lado alternando a liderança e os papeis de mestre e aprendiz.


Esse desapego dos papeis formais sociais e esse se lançar destemido me fazem lembrar uma entrevista com aquele que considero também um espirito aborígine: Sebastião Salgado, que conseguiu em poucas palavras resumir um sentimento acerca da suposta exclusiva racionalidade humana. 

Um aborígine de verdade ignora o conceito e a presunção de que a racionalidade é privilégio de humanos, pelo contrário, a vida nômade e desprendida ajuda a compreender que a racionalidade é una e universal. Quando passamos a compreender que nossa estada encarnada dura pouco mais de um século enquanto tem tartaruga por aí que passa fácil os 200 anos, percebemos que a racionalidade vai muito além de nós humanos. Nas minhas aventuras pela Califórnia durante os anos 90 tive a oportunidade de visitar o Parque das Sequoias, considerados os seres vivos mais antigos do planeta, essas árvores magníficas com mais de 2000 mil anos de vivência nunca param de crescer. Carregam dentro de si marcas das eras que atravessaram em seu tronco, cada ano é registrado, cada mudança de estação registrada como se fosse em um HD.






O aborígine exalta e respeita essa racionalidade assim como a de um mineral que carrega em si milhões de anos de registro de passagem pela terra, muitas vezes viajando milhares de quilômetros desde o manto terrestre até a superfície, e depois por erosões e rios. Agora você deve estar pensando ihh... o aborígine pirou a piolhenta. Mas já tive a oportunidade de caminhar pela cratera do kilauea na Ilha Grande do Havaí, pude ver a lava correndo pelas encostas do vulcão, fazia barulho, exalava um cheiro peculiar, emitia calor, e se movia, buscando preguiçosamente se refrescar ao mar. 

Em seguida pude caminhar sobre a lava resfriada, cuja bolhas de calor formavam finas camadas que se partiam como vidro, significando que eu era a primeira pessoa a pisar naquele solo.

 Esse solo que nascera ali depois de mim, um bebê da natureza, registrará milhões de anos de planeta terra que eu jamais presenciarei. Essa é a racionalidade que compreendi, que os olhos da tartaruga enxergaram nos mais de duzentos anos, que os troncos das Sequoias registraram por milhares de anos e que as marcas das eras impressas nos minerais possuem tanta racionalidade quanto os dados compilados nos 10% da minha cabeça animal. Assim caminha o aborígine.


Leve na mala pedrinhas do vulcão.

4 comentários:

Anônimo disse...

Parabens pelo aboriginezinho! A aceitacao da conformidade vira sem busca mesmo. A seguranca, nao.
Legado da racionalidade, inerente aos 10 % da sua cabeca animal. Totalmente compativel com as oportunidades que a natureza oferece a vida nomade do aborigine e necessariamente ligada a alternancia de lideranca entre os papeis de mestre e aprendiz. Enjoy!

Lili (Eliana Miranda) disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lili (Eliana Miranda) disse...

Me senti uma poeira cósmica lendo o seu texto hoje...rsrs
Que belo. Maravilhosas constatações. Apegar-se por necessidades momentâneas também é uma forma de desapego. Quanto aprendizado terão juntos: o grande e o pequeno aborígenes.
Você fez diferença na minha vida, e continua através de suas reflexões. Tens um lugar especial cativo. <3
Sou grata ao Universo por essa experiência e por todos os sentimentos despertados e reacendidos por meio dela.
Gratidão eterna pelos momentos de entrega e intensidade.
Respeito e carinho eternos.
Namastê!

Lili (Eliana Miranda) disse...

Levo na mala muitas perguntas, cujas respostas nunca são imediatas. A eterna busca do equilíbrio, do autoconhecimento e do não julgamento.
Resiliência talvez seja uma das grandes virtudes...
Meu encontro com a Divindade se dá todos os dias. Nos pequenos atos e percepções da consciência de que influencio e sua influenciada pelos acontecimentos diários.
O conhecimento, as experiências e, inclusive, o autoconhecimento libertam.
Sinto ainda vontade de que me aconteça algo significativo porque acredito nas relações. Mas diferentemente de há algum tempo, plagiando um grande compositor, "hoje me sinto mais forte, mais feliz, quem sabe, pois levo a certeza de que muito pouco eu sei, que nada sei..." E a minha companhia é a melhor de todas. Fico comigo "de boa" e sorrio para a vida. Aprendi a me ouvir e vivenciar meus processos, por mais duros que sejam! E dói! Mas a cura vai sendo processada. E quanto eu menos julgo o outro mais consigo me perceber nele e identificar o que preciso trabalhar em mim.
Quanto mais aceito a minha limitação momentânea, mais insights tenho tido sobre a minha percepção do mundo.
Aprender a ouvir...nossa! Que exercício difícil.
Sacar a tremenda ansiedade que me acompanha diuturnamente, e que embota os meus sentidos, gerando mais tropeços do que acertos...aff!!! Essa sem se fala!
Iniciei o ano "quebrando o projetor" e só falta ainda jogá-lo fora, porque o desapego, viiiiixi! Esse é um dos meus exercícios mais difíceis.
Vivenciar o "agora" é libertador. Nos liberta do "fantasma das espectativas". Mas essa danada nos persegue o tempo todo. Ou por conta de um projeto profissional novo, ou por conta de um objetivo a ser alcançado, ou uma viagem a ser realizada.... eita exercício difícil esse! ;)))
Mas iniciei 2015 feliz comigo.
E levo ainda, na minha mala, a felicidade de ver os que fazem parte do meu mundo em crescente aprendizado. Assim me sinto acompanhada e motivada, cada vez mais, prosseguir o meu caminho. Essa é uma das facetas da minha solidão acompanhada. E sorrio para ela sempre que tomo consciência, como agora, ao te escrever.
Me dispo do medo do julgamento :D
Booooooom demais!!!