segunda-feira, 23 de abril de 2018


E assim navega o Aborígine. Parte I (coletâneas)


Quando o Aborígine caminha em dúvida e incerto por seus caminhos nada comuns, ele alimenta um desconforto, esse desconforto do tipo contínuo e pulsante. Não é uma pulsação acelerada, uma arritmia, é algo como suaves ondas contínuas e constantes que mostram ao contrário de uma harmonia natural, são uma lembrança da presença contínua do caos.
O caos é a constante na caminhada desse nômade ancestral. E o caos compele o Aborígine a abraçar o cosmo muito mais que desejar o caos quando no conforto do estado cósmico.

Muitas vezes nossos instintos parecem insensatos, mas o Aborígine desafia essa insensatez. E como num barco, ele vai controlando o leme, que na sua mão aponta para o cosmo, para o conforto, fugindo dos riscos e sucumbindo aos impensados valores rasos do coletivo. Só que quando a mão no leme aponta para o cosmo, a parte submersa e semi-invisível do leme aponta justamente para o caos, desviando a água e potencializando a força para o caótico.

Podemos mirar na superfície rumo ao cósmico mas na profundidade e em silêncio, a parte submersa do leme na verdade nos conduz em direção ao caos. E o faz de forma fluida, movendo harmonicamente sem que percebamos.

“A ilusão de sempre mirar no cósmico te faz esquecer do aprendizado do caótico”

Durante os meses do THNK Program os exercícios de reenquadramento de situações e de problemas me levou a um processo de avaliação dessas buscas e dos descaminhos que são fruto desse acolhimento que sentimos quando estamos em estado de conforto.

Mas essa analogia do leme não significa a mesma coisa que mirar nas estrelas para acertar a Lua. Creio que de certa forma contrapõe-se a ela.
O Aborígine não foge do caos, pelo contrário, aponta o leme pra lá, segue deliberadamente no sentido do caos de forma clara, na superfície, encarando o de frente, e a proa vai seguindo natural e fluidamente para o horizonte do cósmico. O leme submerso é que vai fazendo força represando a água e aproveitando sua força.


Quem me conhece um pouco já saber que a analogia com o barco vem de um desejo antigo de me tornar um navegador, em total sintonia com o espírito nômade e naturalista do Aborígine.
A vida minimalista, autossuficiente em energia, simples mas sofisticada combina com a filosofia  desse nômade da era digital.

E esse é um papo pra parte II

Leve na mala seu próprio leme.


Meus dias todos seus

Algo escrito ao longo de 3 anos durante as viagens, fragmentos no diário do Aborígine.

Ando tarde muito tarde;
Atrasado em tudo que faz sentido;
Adiantado em tudo que não presta;
Me veja assim como eu sou;
Me veja além do frio, além da dor sem alento.

Atrasado busco um caminho;
Sem saber acerto o que é carinho;
Mas sei bem o que são trilhas inóspitas;
Me encontre assim onde estou;
Me encontre além do mar, além do oceano em mim.

E o amanhã já foi tarde;
Me encontre ontem que ainda há tempo;
Me ache na noite que acabou;

Ando tarde muito tarde;
Atrasado pra tudo ter sentido;
Adiantado, morrendo pro que resta;
Me poupe de mais dor;
Me poupe além da cor escura desse amor;

E o passado chega diariamente;
Bate à porta assombrando;
Nosso futuro já passou ... passou;

Busco assim amor no mar;
Amor e mar aprendi o que são;
Mas certo que se confundem;
Me ame como o mar;
Me ame além da dor, além do sal do mar.

Amanhã vai chegar, eu sei;
Só me encontre! Aqui, agora, sempre;

Se perca nos meus dias todos seus.

Leve na mala dias todos seus. Meus?